quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Puta que o Pariu

* Por M. D. Amado


Operário em tempo quase integral, escritor nas raras horas vagas. Escrever era a única coisa que o fazia se sentir um pouco melhor. Era quando esquecia seus erros, falhas e má sorte e entrava em um mundo de sonhos. Naquela manhã quando chegou ao seu posto de trabalho, o fez decidido a por um fim em sua vida repleta de fracassos.

Antes, porém, resolveu escrever suas últimas palavras, destinadas... à ela. Pegou seu celular e mandou a mensagem: “Te amo a cada amanhecer. A cada gota de chuva que cai sobre seu rosto em meus sonhos, onde ainda posso ser feliz. Te amo sempre! Nunca se esqueça meu amor.”

Esperou por alguns minutos a resposta. Queria receber um último “oi”. A resposta não veio... Ele suspirou profundamente, retirou as luvas e arregaçou as mangas do uniforme. Olhou para o sobe e desce da lâmina de corte da máquina e sentiu um arrepio lhe subir a espinha. Pensou em tudo no dia anterior. Pediu a um colega que trocasse de lugar com ele, dando uma desculpa de não querer conversa com o encarregado que ficava ao lado de sua máquina. Ele queria ficar longe da enfermaria. Não seria um pequeno corte nos pulsos. Deceparia suas mãos e não haveria tempo para que alguém pudesse salvá-lo.

Olhou mais uma vez para o celular, na esperança de ver uma resposta. Nada... Deu dois passos em direção a máquina. Um colega ao lado tentou chamar sua atenção, dizendo para se afastar. Ele ignorou.

Queria ver a morte chegando. Sonhava com ela há várias noites. Tinha curiosidade de saber como era. Se realmente uma velha senhora vestida de negro, ou uma jovem mulher linda e carinhosa. Torcia para que não fosse um homem. No entanto não houve tempo para que ele pudesse vê-la chegar. Quando viu o seu próprio sangue jorrando em grande quantidade e suas mãos rolando para o outro lado da prensa, sendo completamente esmagadas por 15 toneladas de pressão, acabou desmaiando. Nunca pode com sangue.

...

Ouvia vozes... Música... Respirava lenta e calmamente. Por um momento pensou que era mentira aquilo que aprendera nos livros de espiritismo. Diziam que os suicidas tinham um triste fim. Estava se sentindo bem. Confortável. Podia sentir uma leve brisa em seu rosto. Ao contrário do calor prometido de um inferno de arrependimentos, sentia até um pouco de frio. Antes de abrir os olhos, sorriu.

Pobre coitado. Justamente naquele dia em que decidiu se matar daquela forma horrível, uma equipe de paramédicos, equipada inclusive com uma UTI móvel, estava fazendo uma demonstração de primeiros socorros na grande fábrica.

A única frase que lhe veio à cabeça: - Puta que o pariu!

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